Teresa Lopes

…aquele beiral que tem uma sombra projetada, a porta, depois o candeeiro que faz uma sombra aqui… para mim tudo isto é importante. Os fios que fazem a sombra na parede, todos os beirados, isto é que é a essência… este jogo de luz e sombra… a pintura pode ter umas cores muito apelativas mas o contraste de luz-sombra é o que faz a pintura ser diferente.

Transcrição:

TL: Eu sou emotiva. E eu trabalho com aguarela, que é um meio vivo. A água, para mim, é um elemento, vivo, que tem vida própria. E, portanto, a água faz muita coisa. A aguarela é que, segundo dizem, das técnicas mais difíceis, mas é um desafio constante. Porque quando eu aplico uma pincelada, ela... eu nunca sei para onde é que ela vai. Ela ganha vida, ela faz o trabalho. A água juntamente com o pigmento, dependendo da quantidade de pigmento, ela tem vida própria. Portanto, nós não controlamos de todo. E isso, para mim, é que me apaixona, porque é o perceber que, ok, não sou só eu e o papel e o pigmento. Não. Há ali um elemento vivo. E que faz surpresas. E que às vezes me pergunto "como é que eu consegui fazer isto?" Não fui eu que fiz. Houve um terceiro elemento a fazer aqui qualquer coisa. E há coisas na aguarela que aparecem, pequenas manchas que ninguém consegue explicar. Mesmo nos grandes artistas, eles sabem como lá chegaram. Mas, às vezes, o que lá fica depois, é a própria água e o próprio pigmento que trabalham.

Trabalhamos com papéis cem por cento de algodão, que absorvem. Absorvem a água, absorvem o pigmento. O pigmento fixa. E que permite fazer muita coisa. Eu trabalho com 300 gramas. Grão fino. Prefiro um grão fino.
Sempre tive aquele jeito na escola e sempre me destaquei dos outros alunos. E sempre gostei. Embora eu diga que sou uma autodidacta, e sou, porque não tenho formação. Tenho alguma dificuldade. Sinto a dificuldade que tenho a desenhar porque faço um esforço. Eu acho que sou capaz de pintar melhor do que desenhar. Para mim. Embora as pessoas digam que não. Mas eu, para mim, gosto mais daquilo que pinto do que daquilo que desenho. Sinto-me mais realizada a pintar do que a desenhar.
Gosto de ver, tipo, estas obras que não são, não ocupam o espaço todo do papel, em que parece que está ali aleatoriamente, ok, só fiz ali um apontamento. Portanto, sem acabar, parece que está meio por acabar.
Também gosto disto. Isto foi feito em 2018. Portanto, nota-se. Em termos de cores, aqui está mais monocromática. Portanto, a luz está diferente. Portanto, um trabalho diferente. Lá está.
Nota-se a diferença do meu trabalho do ano passado para este ano.
Se nós pintarmos todos os dias, as coisas fluem, porque educar a mão e educar a mente e conseguir que a mão faça aquilo que eu estou a pensar, portanto, tem que ser todos os dias. A prática é fundamental. Não é? Posso ter muito jeito e muito dom mas se eu não praticar, não sai nada.

Portanto, eu comecei com o João Mário. Para mim, o João Mário é uma referência. Em termos de trabalho dele, de sensibilidade, de cor, daquilo que ele pinta. Comecei com ele, lá está, comecei em Alenquer a fazer as primeiras exposições que surgiram em Alenquer. Lá em baixo, na Feira da Ascensão. Toda a gente se deve lembrar daquelas exposições que existiram.

Eu gosto muito de pintar mas não pinto só para mim. Para mim é importante a opinião dos outros e chegar aos outros. E sensibilizar e perceber que as pessoas, ok, ficam felizes. Porque, podem não ter a obra mas de olhar e de a ver e de apreciar, apreciar que se transmite, transmite alguma coisa aos outros. Isso, para mim, é fundamental.

Lá em cima, sim, no Largo da Câmara. Já mais cá para baixo, quase. Quando se começa a descer, portanto, que ele aqui já faz esta inclinação. A Câmara, a igreja, aqui o depósito da água, o resto das muralhas do Castelo.
E eu já pintei tudo o que é recanto de Alenquer. Desde aqui o Terreirinho à Judiaria, eu já pintei. Trás Triana, tudo! Este arco. De lá para cá, de cá para lá. Portanto, eu já pintei isto tudo! Mas água, não. Neste momento... e neste momento estou empenhada nisso, precisamente pintar água!

O rio. Eu gosto muito da luz da tarde em Alenquer. Ficam com um tom mais quente. E esta luz que bate aqui nestas árvores, portanto... tem, é qualquer coisa de extraordinário, porque depois tem aqueles contrastes daquelas sombras todas ali. O reflexo no rio, estas sombras que são projetadas aqui por este varandim. Gosto imenso disto. Dos cheiros, os cheiros de Alenquer. Gosto muito.

Alenquer é para mim, como eu, digo uma Vila de encantos. Porque Alenquer, para mim, não sendo eu natural de Alenquer, porque eu não sou natural de Alenquer. Eu sou natural de Santarém. Vim para aqui com nove anos. Viver. Andei aqui nas escolas, aliás, corri as escolinhas todas.

Alenquer sempre teve um encanto, não sei se pela... pela luz que tem. Esta luz, de manhã, que bate aqui nesta encosta. Se por tantos recantos, tantos pormenores, tanta riqueza de cor. Os brancos, a luz, porque tem um jogo de luz e sombra espetacular. Um sobe e desce, que me agrada imenso. Portanto, nada é no mesmo plano. Portanto, há ali um mais abaixo, um mais acima. Eu, num sítio, vejo um telhado completamente. No outro, já só vejo um beiral.
Eu gosto muito de Alenquer, realmente. Gosto de me perder pelas ruas, por aqueles becos.
Os fios ali, todos. Está qualquer coisa, assim, de espetacular. Que... é mesmo isto. Mas, depois, é este jogo, de luz e sombra. Dentro da pintura, ela pode realmente ter umas cores muito apelativas. Mas, o contraste luz-sombra é o que faz a pintura realmente ser diferente, ou ter uma grande obra ou uma obra menos boa.

JB: E o que é que lhe acontece quando começa a pintar? A sombra está assim. Entretanto, o sol vai andando...

TL: Ah, isso mesmo.

JB: Como é que resolve?

TL: Nós, normalmente o que é que fazemos? Por exemplo, no local. A primeira coisa que eu faço é pegar num caderno e fazer um esboço. Eu faço um esboço do que estou a ver. Da luz que estou a ver neste momento. Portanto, das sombras projetadas. Faço o meu esboço. Tiro o meu apontamento. Posso pintar ou não. Normalmente, fazemos sempre uma aguada para captar as cores. Entretanto, se eu demorar muito tempo, nós neste momento temos a facilidade de termos um telemóvel, uma máquina fotográfica, que eu capto! Portanto, e vou captando. Ela, neste momento, tem esta posição. Mas daqui a uma hora ou duas já tem outra. E eu vou captando aquilo que realmente me agrada mais. Da parte da tarde já tem outra. Portanto, eu depois vou ao local em várias horas do dia precisamente para captar a melhor luz.
Hoje, toda a gente que vai para a rua leva um copinho de água, um pincel e meia dúzia de cores e pinta aquilo que está a ver. Portanto, faz um primeiro apontamento, que é importante.
E eu fazia um desenho e depois escrevia. As cores que estavam lá e aquelas que eu queria aplicar. E tomava nota de tudo. Sem ser com cor, portanto, mas escrito.

Aqui temos. A velhinha olaia. Eu era menina, ela já existia. Que eu me lembro sempre dela. Neste momento está pintada na parede e ficou bonito. O fato de terem feito na parede e agora terem posto lá outra.

Não sei se eu consigo descrever por palavras aquilo que eu consigo pôr na pintura. Porque... eu não quero nunca ser fiel aquilo que está. Altero as coisas consoante aquilo que eu sinto.
O objetivo era só o Francisco, portanto. E existe lá esta casa. Esta casa existe. Este muro, este poste, portanto. Depois tudo isto aqui, é parte criativa mesmo. Não existe. Portanto, eu tenho que pôr uma parte de mim naquilo que eu estou a captar e a transmitir aos outros. Tenho que pôr sempre uma parte de mim no meu trabalho. É fundamental.
Eu gosto principalmente porque eles têm um ar, estão com um ar muito de felicidade. Muita luz, muita cor. Que era uma coisa que eu sempre gostei muito de cor porque sempre fiz flores, portanto. E agora, não estando a pintar flores, mas eu vou lá pô-las na mesma.