ATU 780 - Toca, toca pastorinho
Maria José, 1927- 2017, Idanha-a-Nova
Registo de 2010, Idanha-a-Nova
Dois irmãos invejosos matam outro irmão por causa de bolinha de ouro, mas o seu crime é apregoado ao mundo por um pífaro especial.
VoltarToca, toca pifarinho- Carlos Augusto Ribeiro
Esta narrativa é um Conto Religioso não porque ponha em cena personagens
sagrados, mas sim porque trata problemas centrais na moral ou doutrina da
religião oficial da comunidade.
Neste conto-tipo o problema é o fratricídio,
aliás um duplo problema, pois para além de violar o 5º mandamento, “não
matarás”, o crime passa-se no interior da família nuclear, que deveria ser o
último reduto de segurança do ser humano vivendo em sociedade.
A presente
versão é muito breve, eliminando muitos episódios colaterais e respetivas
peripécias que aparecem noutras versões, para se concentrar no essencial: o
assassinato e o móbil que o desencadeia - a ambição.
Mas o problema coloca-se
logo no início do conto, quando a mãe de três filhos, devendo tratá-los por
igual, escolhe o mais novo para lhe oferecer um bem precioso. Fazendo-o, irá,
mesmo sem intenção consciente, destruir a igualdade e harmonia da fratria,
tornando o detentor desse bem um alvo da cobiça dos irmãos.
A história é rematada com uma última mensagem, também ela vinda da moral
religiosa: “de Deus nada se oculta”, ou “a verdade vem sempre ao de cima”. Este
último episódio, o mais poético da composição, assume um caráter pastoril, com
um dos irmãos a tocar uma flauta feita de uma cana que cresceu na sepultura da
vítima (portanto uma extensão dela própria) revelando ao mundo o seu
assassinato e a causa que o motivou.
O conto acaba com uma vitória de Pirro:
“mas eles não a levaram” (a bola de ouro), deixando no ar a inutilidade do
terrível evento.
A história começa sempre com a partida de casa dos 3 rapazes. São mais
abundantes as versões em que os irmãos se encontram sós, sem os pais. No
segundo lugar das ocorrências temos narrativas que se referem ao pai dos
rapazes (de entre elas 2 indicam que os irmãos são 7). Neste cluster, no qual o
pai por vezes é rei, a motivação para a partida dos filhos é: a) a demanda por
uma flor rara que pode curar o pai da sua doença (cegueira); b) estabelecer a
linha de sucessão dinástica; ou c) receber uma herança ou casar com certa princesa.
São raras as versões onde se aluda à mãe dos rapazes (como é o caso do exemplo
que aqui se mostra) ou ao casal de progenitores. No início da viagem, em certas
versões, aparece um doador mágico (Nossa Senhora, uma fada, um anjo ou uma
simples mulher). Este, reagindo ao comportamento caritativo de cada um dos
irmãos, dá ao mais novo 3 maçãs de ouro, causa da ambição dos irmãos. Após o
assassinato, e o correspondente aparecimento das canas sobre a sepultura, é um
pastor que geralmente faz delas uma flauta cujo som revela a tragédia. Essa
flauta vai de mão em mão e de boca em boca (carvoeiro, pai, mãe, irmão) até que
o culpado seja descoberto. O conto acaba geralmente com a punição exemplar do
culpado. Certas versões indicam que as maçãs são encontradas junto ao cadáver,
que por vezes é resgatado por uma figura sagrada e vai para o céu, ou é
encontrado vivo e recebe a recompensa que tem direito.
Toca, toca pifarinho - Vanessa Effe
Foram detetadas 33 versões deste conto em Portugal. Na sua distribuição ao
longo do território destaca-se os distritos de Faro (8 versões) e Bragança (4
versões) mas também o arquipélago dos Açores. Não foram encontradas versões
deste conto no centro do país nem na Ilha da Madeira.
Noutros países lusófonos há notícia de versões únicas em Angola, Cabo Verde
e S.Tomé e também 5 versões no Brasil.
Este conto encontra-se disseminado por toda a
Europa, Médio e Estremo Oriente, Índia, Américas e África do Norte e Central.
“A Flauta Maravilhosa” in Vasconcellos
1966, nº 570, Rebordainhos, Bragança
“Las Trés Maçanitcas d’Ouro” in
Vasconcellos 1966, nº 571, Miranda do Douro, Bragança
“A Flaita Maravilhosa” in Vasconcellos
1966, nº 572