Maria Clara guardava na sua memória uma quantidade prodigiosa de romances. Aprendeu e cantou-os toda a sua vida, juntamente com orações e outras tradições orais. Trabalhadora agrícola desde muito nova, tinha saudades do tempo em que se cantava campo fora por pura alegria, apesar da vida dura e da fome. “A gente trabalhava no campo e então, para passar os dias, para passar o tempo, a gente estava sempre a cantar, (…) cantávamos tudo. E então fazíamos assim. Numa corda de mulheres, tudo a mondar o trigo, ou a sachar o milho, umas cantavam numa ponta e as outras respondiam da outra ponta. Daqui uma cantava Ave Maria de Grande Valor e a outra respondia de lá Rainha dos Anjos no seu resplendor… Cantávamos o dia todo. Eu aprendi com um vizinho, já de muita idade, Luís Salvado. Ele estava sentado lá na lareira dele, mais a filha e a mulher. E cantava! A Júlia (a filha) acompanhava. Nós jantávamos e ficávamos à lareira, à noite, sempre à espera que ele começasse a cantar. E acompanhávamos. Assim é que aprendemos a cantar. O toque do adufe aprendemos com a minha mãe. Os adufes fazia-os o meu pai (pastor) com as peles das cabras que morriam.”
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