Estamos em Torres Vedras, junto
ao antigo Chafariz dos Canos, construído na primeira metade do século XIV
próximo de uma das portas das muralhas medievais da cidade. Era abastecido por
um aqueduto monumental que se prolongava por mais de 200 quilómetros, passando
sobre o rio Sizandro num conjunto de arcadas sem comparação a nível europeu,
igualando-lhe apenas, talvez, o modesto aqueduto da capital.
É assim que, ainda mal nos
encontrámos e você talvez já tenha concluído que não me deve levar demasiado a
sério. Não porque sou estrangeiro, o que você adivinha pelo meu modo de falar,
mas porque lhe parece que há algo de errado no que lhe conto… e tem razão.
Estamos aqui para mais um episódio da insólita história de Torres Vedras e
apenas parte do que lhe vou contar é verdade. Onde esta termina e começa a
fantasia, onde a história dá lugar a ficção, eis o enigma. Seja como for,
espero que se divirta.
Além da população local, este chafariz servia também
os almocreves, que transportavam mercadorias.
Eram gente com horizonte nos
olhos, que enfrentava os perigos dos caminhos, que andava armada e não se regia
pelas mesmas regras dos citadinos. Além disso, era sabido que bebiam o vinho
que transportavam e misturavam o resto com água, para enganar clientes e
fornecedores. Por isso, em nenhum outro lugar do país os almocreves criavam
tantos problemas, já que a excelente qualidade do vinho da região permitia que
se lhe fosse acrescentado mais água e, portanto, que fosse mais bebido.
Aqui se juntavam, constrangendo o
acesso dos locais à fonte e em constante algazarra. Talvez por essa razão, o
arquiteto do Chafariz dos Canos desenhou-o de forma tão singular: ao contrário
de outras fontes góticas da mesma altura (por exemplo, a de Santarém, que é
retangular, com três faces, cada qual com um arco de entrada), este tem cinco
faces, portanto, cinco arcos, precisamente para evitar engarrafamentos no
acesso à água e, por conseguinte, a desordem.
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Texto e performance: Luís Correia Carmelo.
Tradução: Sofia Maúl
Música e ambientes sonoros: Miguel Neto.
Instalação plástica pop-up: Carlos Augusto Ribeiro
Coordenação e web: José Barbieri
Multimédia: Rafael Del Rio
Produção: Memória Imaterial CRL
Projeto: LU.GAR.TERRITÓRIOS CULTURAIS
Público-alvo: todas as idades.