#2 Memória das águas

Instalação #2

Enquanto devoluto palco de antiquado convívio feminino, outrora assistido pelo murmúrio ininterrupto das águas, o lavadouro torna-se, temporariamente, o lugar de concentração e confluência de memórias (silenciadas) em torno da relação (ambivalente) de Alenquer com o rio.

Compensação dada pelo Estado Novo a Alenquer em troca da implantação do Plano de captação da água das nascentes para abastecimento da capital, contrapartida de modernidade prometida em troca de um rio roubado, o lavadouro reúne as memórias individuais de histórias e vivências do lugar e do rio; as memórias de um rio inexistente, rio fantasma, recurso apropriado para ficções e imaginações, em contraste com a realidade material e sonora da água – simultaneamente: metáfora do tempo e das transformações de Alenquer, da dinâmica social e histórica. Imagem do tempo e da consciência, um rio imaginário se constitui com todas estas memórias que passam e, eventualmente, se transformam com a passagem do tempo.

DESENHOS LAVADOURO 2018 ALENQUER LUGAR OCULTO

Linhas, linhas e mais linhas.   

Desenhos executados com as duas mãos. Em simultâneo. E de olhos fechados ou vendados.

Duas séries distintas relacionadas com o corpo, com todo o corpo. Uma constante: o gesto da mão a extrapolar para um movimento de todo o corpo.

Na primeira série se desenha imaginando (sentindo) a água que corre, escorre e contorna os obstáculos ou, ainda, os movimentos circulares, espiralados, de águas confluentes. Na segunda série se desenha imaginando (sentindo), ora os gestos das lavadeiras, ora os momentos em que a roupa é amassada ou atirada sobre as duras e frias superfícies dos tanques.

Pequenas folhas soltas: superfícies onde acontece – em cada uma delas – o registo directo e rápido de insistências, oscilações, arrastamentos e colisões. Sempre mais o toque (o tacto), o precário contacto com a folha – e muito menos a vista, e, assim, a convicção do que ela alcança e define.

Uma linha de palavras e frases, desenhada com argila, inscrita numa das paredes do devoluto lavadouro. Em jeito de litania, surgem misturadas evocações, invocações e dúvidas (silenciadas ou rasuradas – ontem como hoje) sobre os desajustes na relação do homem com todos os outros vivos do planeta (incluindo o outro como eu e tu).

 

 

As sessões de narração de António Fontinha, dedicadas ao tema, falam do legado cultural português, repleto de lendas e contos que nos ensinam a importância da água na vida.