Transcrição
José Lourenço: Na Antiguidade o rio era navegável. Mas já há muitos anos que deixou de ser navegável, quer dizer… se ler o primeiro foral da vila de Alenquer, se ler o foral, vê que havia atividade no rio… cargas que entram pelo rio. São taxadas por isto, por aquilo e por aquele outro e, portanto, as profissões que havia à época e tal… o rio era navegável a essa época. E provavelmente a porta de lá de baixo das águas, que nós havemos de ver, seria a porta de entrada por tudo quanto chegava pela água. Mas quando se chega à época de D. Manuel, o rio já não é navegável. É engraçado…
Temos os dois forais e da leitura dos dois forais pode-se inferir isso. Porquê? Não é navegável porque construíram-se muitas azenhas, moinhos de água, no troço que vai daqui da vila até Vila Nova da Rainha, onde o rio desagua no Tejo. Portanto, ele desagua aqui perto, não é depois muito longe e, portanto, isso contribuiu bastante para o assoreamento do rio e foram as transformações havidas a nível da agricultura, não é?
Isto é um problema ecológico. Como é que um rio de curso navegável se transforma num rio de enxurrada. Exatamente porque a agricultura começa a ser elevada a quotas muito elevadas, a escorrência é grande e rápida, transporta materiais. Tudo isso contribuiu, portanto, deixa de haver o bosque. A atividade agrícola complementava-se com a pastorícia no bosque, deixa de haver o bosque, deixa de haver uma escorrência lenta da copa das árvores, para os arbustos maiores, dos arbustos maiores para os musgos, toda aquela escorrência lenta que se ia fazendo para haver, portanto, uma escorrência rápida… Ele faz aqui estes meandros dentro da Vila, Alenquer, já lhe deram vários nomes… Vila Branca, Vila presépio e, inclusive, Vila Meandro. Devido a todos estes meandros do rio. Isto na primeira metade do século XIX, do rio para lá não havia nada, havia hortas. Portanto, tudo isso que vê do rio do lado de lá é já na segunda metade do século XIX e, por isso, contribuiu certamente, portanto, o aparecimento da indústria aqui dentro da vila, trouxe populações…
Falava-se que as águas do rio eram santas porque a rainha Isabel teve aqui o seu paço e teve aqui assim um hospício, uma albergaria onde tratava dos doentes. Lavava no rio as roupas dos doentes que tratava e, então, as águas do rio eram santas. No século XVIII, inclusive, há notícia escrita de que vinham pessoas de fora fazer banhos no rio, aquela parte baixa da vila praticamente não existia, eram tudo hortas. E construíram ali umas pequenas barracas… junto ao rio para servir de apoio aos banhos que tomavam. Portanto, era uma vila muito fresca. Uma vila com uma grande relação com as águas.
Madalena Rosa: Diziam que tinha uma água boa para pele e vinha da Lapa dos Morcegos, que ficava atrás… nós íamos para lá. As casinhas eram duas ou três, parece que era duas só, e nós tomávamos banho. Portanto, é claro, estávamos separados. A casinha, elas eram de madeira, modestas, com um espelho, um banco para a gente sentar, tirar a roupa, aquilo tudo… pois, tínhamos umas escadinhas e íamos lá para baixo, para o fundo… O fundo parecia tábua.
Olinda Vieira: E havia lá em casa onde tinha buracos aqui pelo… foi feito mesmo de propósito... e água nascia ali. Ia para Lisboa. Aquela água, eu fui tomar banho, pelo menos, foi um mês inteirinho a tomar banho. Graças a Deus, aquilo foi tiro e queda. Fiquei boa, segui a minha escolinha. Até hoje, graças a Deus.
José Lourenço: Portanto, os banhos velhos, exatamente porque estas águas aqui eram consideradas muito boas para a pele…. No século XIX, em finais do século XIX, decidiram aproveitar essas águas para fazer um balneário, onde as pessoas se banhavam. Portanto, eu ainda conheci essas pessoas, ainda conheci as ruínas do Banho Velho que se situavam lá em baixo também no sítio das águas, onde está hoje um restaurante, um pouco abaixo de uma gruta que é a Lapa dos Morcegos que, em invernos de muita força de água, portanto a água extravasa pela ponte abaixo…
Olinda Vieira: Era nos Banhos Velhos, nos Banhos Velhos. Agora já, agora tem lá um nascente mas já não é nada, nada, nada como, como era… porque aquilo, pronto, era uma corrente enorme que ia para Lisboa, aquela água…
José Lourenço: Em toda aquela zona, havia zona de areia, havia zonas de pedra, pedra à vista, não é? Porque isto é tudo pedra, isto é… e a água ali jorrava, assim como jorrava até do fundo do rio, não é? Portanto, jorrava por todo lado, aquilo era umas nascentes incríveis, não é?
Madalena Rosa: A água que vinha do Banho Velho, vinha pelo rio, tinha uma ponte que atravessava. Isso era do outro lado, do lado direito quando vamos para lá. E depois, vinha pelo rio, por baixo da ponte, onde as mulheres iam lavar a roupa. Eu cheguei a ver… rebentos!
José Lourenço: Os agriões… que eram comestíveis. Fazia-se belas saladas de agrião, colhido aqui na… enfim, nestes charcos de água… que era água boa, não é? Água pura das nascentes…. Nasciam aqui muitos agriões… que a população apanhava e comia, não é? Portanto, também havia muitas avencas… … flores… mais… assim plantas mais ligadas à água… somente, os agriões e as avencas…. Havia aqui.
Olinda Vieira: E mas havia a separação daquelas casas, onde as pessoas iam lá tomar banho por causa dos males que podiam ter… e, eu, por acaso tive a sorte de aquilo correr bem!
Maria Graça: Bem, elas falaram nos tanques, eu conheci, eu conheci isso, esses balneários, mas, não, nunca fui lá tomar banho, não.
Maria Garcês: A gente, tínhamos uma casa, uma casinha, chamavam-lhe o Banho Velho…
José Barbieri: A tal, sim…
P5: A tal, o Banho Velho. Era uma casa, não era, ninguém via a gente lá dentro! Tinha chave, tinha tudo para a gente lá dentro. Tinha uma coisa em madeira, para a gente dar o saltinho para dentro do rio… para dentro da água!... aquilo era baixinho!… Uma vez caí, bati com a cabeça lá de baixo que até me arreguelou. Fiquei assustada…
Maria Graça: Aquilo não tinha umas escadinhas a descer?
Maria Garcês: Tinha duas… tinha assim duas escadinhas, mas quem quisesse dava um salto lá para dentro!... eu, naquele dia dei o salto, mas tive pouca sorte, estava um bocado de sabão lá no fundo e eu escorreguei… Bati com a cabeça lá em baixo umas poucas de vezes.
José Barbieri: Qual era a altura? A água dava, dava por onde, a água?
Maria Garcês: Assim, aqui pela cintura, era só pela cintura
Madalena Rosa: Isto ficava nas águas!
José Barbieri: Nas águas, mesmo…. Ah, está bem…
Madalena Rosa: Nas águas, onde elas lavavam… a-ali assim ao pé do parque das tílias…
José Barbieri: Sim, sim
Madalena Rosa: Ainda me lembro, está lá o parque das tílias, mas entre o parque das tílias, havia lá uma horta linda e bem cuidada.
José Lourenço: E era precisamente aqui!... Que as águas eram termais, as Caldas de Alenquer…
Nunca houve, houve análises, evidentemente… porque lá assim que as águas de Alenquer eram muito boas para como dizem os dicionaristas antigos do século XVIII, boas para males de fígado e da pele. Mas, havia essa tradição. E o facto é que nasceram esses banhos velhos ali nas águas também, onde as pessoas iam tomar banho para, com grande benefício para a pele. Portanto, existe toda esta relação com o rio, não é? Em Alenquer. Talvez seja da, uma relação muito forte, não é? Porque aquilo que ele tem de bom e por aquilo que ele já teve de mau.
Madalena Rosa: No areal que houve aquela grande cheia… A grande cheia… Tive, em frente de mim, dois senhores, já idosos, muito fortes, morreram afogados, dentro de casa. E vi um cavalo morto, saí a puxar por ele… os bombeiros a lavar o chão… e havia lá um senhor, eu desconfio que o nome dele era o Lanzila, que morreu ele e três filhas! E a mulher escapou porque desmaiou! E então foi para cima, ela escapou… eles foram… depois vieram para aqui os corpos, tiveram que ser lavados à mangueira…estavam todos cheios de lama…
Maria Matias: Eu lembro-me muito bem do rio, aonde era aqui o rio e dele ser… passava para aqui, que era de lá…
Maria Garcês: É quando foi a cheia grande que ele passou…
Maria Matias: Pois, eu lembro-me muito bem.
Maria Garcês: Alenquer é linda! Foi sempre linda! Sempre, tivemos sempre sorte na Vila de Alenquer. Só não tínhamos sorte era das cheias. Quando havia aquelas cheias… porque também os que tinham, não tinham o cuidado de limpar os rios, que era o que eles deviam de fazer e não faziam… e a gente quando via aquilo cheio de lama, cheio de coiso vinha, pensava ‘Lá vem uma cheia!’… e quando foi essa cheia maior, maior, maior… isto é que foi um prejuízo muito grande, onde morreu várias pessoas. Por acaso à minha, à minha porta, à minha muralha, tenho uma muralha alta mas, a água passou. Vi uma senhora, que eu não fui capaz de a salvar… ela, coitadinha, bem bateava o braço mas eu não… eu se fosse, eu ia com ela… uma senhora que ia na cheia, que saiu de casa pensando que ia para casa de uma pessoa amiga e ficava mas foi na cheia. E depois ia sempre a gritar. E depois eu estava na minha, na minha janela, eu desci as escadas, mas já não fui capaz, que a minha a muralha já estava cheia de água. O meu marido para passar para casa, foi pôr o carro lá em cima na vila, porque lá em cima não tinha água, não é? Desceu as escadas, mas quando ia para casa, já não conseguia entrar… mas, ele conseguiu! Mas quando chegou à minha porta, ele perdeu a chave, bateu-me à porta com muitos murros, eu tinha a casa cheia de gente porque depois os vizinhos de baixo foram todos para cima, para a minha casa… e eu dizia assim: ‘ mas, quem é que está a bater à porta? Oh… E ele ainda me disse: ‘sou eu’ mas aquilo, desmaiou… Desmaiou e eu não sabia, não… Mas, abri a porta de repente e vi que era o meu marido. Vi que era o meu marido, consegui puxá-lo e as outras pessoas que lá estavam ajudaram-me a puxá-lo e veio para a cama e lá consegui, com coisas quentes, com cobertores, essas coisas… e lá consegui que ele escapasse. E o meu filho que tinha ido para um baile que era o Sporting (não sei se sabe onde é que é o Sporting, ali à frente). Havia baile naquele dia. Então, vestiu-se todo bonito, todo janota, para ir para o baile, foi para o baile. Passado um bocado, foi isto da coisa da cheia, era os gritos, os gritos lá no Sporting, pensei cá eu, como estou alta, como estou alta, claro, lá, na casa. A cheia para chegar à minha casa ainda era preciso muito, estou num segundo andar, num primeiro andar… Eu ouvia gritos, mas eu não podia abrir a janela que a água era muita!... E digo assim, ai caramba, mas quem será que tá a gritar?’ Eu gritava ‘Ó Rogério’, que é o meu filho. Estavam uns poucos de homens e senhoras que lá estavam, conseguiram dar as mãos [dê-me a mão, assim] a fazer uma corda para salvar o meu filho que estava dentro de água.
José Lourenço: De maneira que há toda esta relação com o rio. O rio que umas vezes é mau, outras vezes é bom. O rio que contribui bastante para a paisagem, para fazer de Alenquer um sítio bonito, não é? Mas que, até à regularização do rio, que aconteceu bastante recentemente, ocasionou bastantes cheias e algumas com… havendo a lamentar bastantes mortos, como foi a de 67.
Maria Garcês: Não era só a água, era a lama que vinha com a água! A lama é que era horrível! Aquela terra, aquela lama…Foi doloroso. Era isso que as pessoas ficavam enterradas e não conseguiam se levantar!
Madalena Rosa: Também tem, há lá em Alenquer, três pedras a marcar a primeira cheia, a segunda e a última.
Maria Garcês: E nesse tempo, havia à entrada aqui pela outra rua… Havia uma ponte, não é? Como há agora! E, tinha este coiso, esta pedra… Tinha outra do outro lado, uma de cada lado com o cão que é o Alão quer! Lá está, o cão que era… O cão apareceu e queria uma cadela e, então, o Alão ficou em “Alão quer”. E é bonito! Isto era muito bonito, mas depois quando foram as cheias, estragou tudo e então fizeram de outra maneira.
José Lourenço: As cheias aqui são rápidas, são rápidas devido àquilo que eu já disse, devido, portanto, à qualidade dos terrenos que são pouco, permeáveis e a uma rede hidrográfica de baixa hierarquia, em que tudo o que cai nas colinas rapidamente chega, ao rio principal, que é este… e, portanto, o rio pode estar assim e, de um momento para o outro, estar alteroso.
Portanto, o rio de curso transforma-se num rio de enxurrada, não é?
Evidentemente que o rio para todos os miúdos que aqui moravam, não é? Inclusive, para mim, era uma tentação no Verão, portanto, era a nossa piscina. Era no rio que nós aprendíamos a nadar todos. Há um livro escrito por Tito Henriques, um senhor de Alenquer, que se chama “Os Filhos do Rio”, que retrata precisamente essa relação de toda a miudagem com o rio. O rio era uma tentação, quer pela sua fauna, quer pela frescura, quer pelos banhos, como o local onde se aprendia a nadar. Eu diria que pertenci à última geração dos filhos do rio. Portanto, um dia de Verão como hoje, a estas horas, toda esta miudagem que aqui existia, estava a fazer a trouxa, a pegar na toalha para ir para o rio. Depois, isso perdeu-se, evidentemente, porque houve um período em que o rio esteve bastante, em que o rio esteve bastante poluído, não é? Pela indústria, pelas adegas, por tudo o que estava a montante. Hoje não…
José Barbieri: Há quantos anos é que não vê o rio com… tão alto e com pessoas a andar de barco, etc?
Madalena Rosa: Ah, pois, já nunca mais…
José Barbieri: Nunca mais?
Madalena Rosa: Não, era naquela altura. Agora, ultimamente, não. A água, também a água de Alenquer era nossa, agora foi para Lisboa.
José Lourenço Eu nasci aqui nesta praça. Era a área a administrativa do Concelho. Portanto, as pessoas falavam muito, não é? Falavam muito contra o presidente da Câmara, o Machado, que tinha vendido a água de Alenquer a Lisboa. E isso foi uma mágoa que acompanhou a geração anterior à minha, não é? Porque estavam muito habituados às Verbenas, eram festas que faziam junto ao rio no Verão e, portanto, estavam habituados a essa convivência e perderam… porque o rio é alimentado sobretudo pelas, pelas nascentes…
Filipe Rogeiro: Tomei banho aqui e tomei banho naquela vala, a partir do depósito da captação que depois devia mandar os excessos para o rio, onde está agora agora aquele lagozinho que a Câmara fez. Havia umas valas que levavam a água desse depósito, o excesso de água para o rio e nós tomávamos aí banho, eram valas com um metro e pouco de largura, mas que na altura das descargas enchiam e permitiam ali, digamos, alguma profundidade, um metro e meio ou isso. Os mais afoitos ainda conseguiam entrar naquelas janelinhas, naquelas ligações ao depósito, iam ao depósito naquele, naquele espaço de ar que tinham, mas isso eu nunca fiz, era mesmo para aqueles mais afoitos. Eu na altura tinha doze anos, lembro-me de um episódio que foi deixarmos as roupas todas ali algures no jardim das águas e irmos tomar banho e quando chegámos não tínhamos roupa, portanto, tivemos que ir assim para casa o que deu um sarilho enorme com as mães, não é?
José Lourenço: Também não precisávamos de tomar banho ali, pá, éramos mais afoitos do que no tempo do Filipe Rogeiro, porque Tínhamos o Olho D’agua, não é?
Filipe Rogeiro: Pois…
José Lourenço: Que, junto ao paredão, tinha aí quatro metros de profundidade, pá, nós mergulhávamos e íamos lá à areia que estava lá no fundo e onde borbulhavam nascentes e víamos lá os barbos…
Filipe Rogeiro: Pois, essas memórias só as tenho a partir do que a minha avó me contou e isso é muito anterior às captações, à primeira captação que há-de ser de 37 ou qualquer coisa… Portanto, estamos a falar aqui de 1920 em que haviam… os mais afoitos, nomeadamente, o célebre Fernando Casa Pia, que depois foi um grande jogador de futebol que é daqui que subia a uns vinte metros numa árvore e mergulhava…
José Lourenço: Eu Recordo-me, recordo-me, recordo-me… assim como também aqui do ponto das águas, saltávamos da ponte para dentro do rio, normalmente de pés. Mas havia alguns que eram efectivamente bons, bons nadadores e bons mergulhadores, subiam às árvores e ali à ponte e mergulhavam mesmo ali, que nem Tarzans! Epá, aquilo tinha uma… quando o Olho D’água estava cheio, a água passava por cima e, então, chamávamos àquela zona por onde a água descia, não é? Ao longo de todo o paredão, que era uma zona inclinada, chamávamos o esbarro e gostávamos muito de deitar ali, não é? Com água a passar-nos por cima, não é? aquilo era delicioso. Também, na medida em que aquilo devia de ter ali na zona do Olho D’água, na zona do paredão, devia ter aí uns quatro metros de fundo… quando o Olho D’água estava cheio, quando o paredão estava… A água a passar por cima, portanto, havia que o rio enchia até ali quase à Barnabé. E, eu recordo-me de virmos a nadar desde lá de baixo até aqui a este fundão, aqui do-da-da da Redonda, não é? Portanto, nós vínhamos a nadar até aqui.
Filipe Rogeiro: Onde se tomava banho bem e também tomei, foi debaixo, mesmo debaixo da ponte da Barnabé ali em cima.
Madalena Rosa: A bela enguia, bom... Era peixe, várias qualidades de peixe, tiveram patos… O rio era uma alegria! Era muito bonito, o rio de Alenquer…
Filipe Rogeiro: O rio do meu tempo já não é o rio do tempo do José Barbieri, quer dizer, o rio do meu tempo é um rio com água estagnada, malcheirosa, muita vegetação, muito lixo. Portanto, estou a falar dos anos 70, 80 não é?
José Lourenço: “Pois… não, ainda apanhei isto, ainda apanhei isto mais ou menos despoluído, embora de vez em quando viessem levas de água das adegas cooperativas, já naquele tempo e tal, que, que lavavam os depósitos e vinha a borra toda por aí abaixo e ficava isto impraticável. No meu tempo não era tanto a Barnabé porque estava muito açoreada, portanto, aquela ponte ainda medieval da Barnabé, que era a chamada ponte de Pancas. Mas já íamos mais para montante, íamos ali para a Quinta do Rolim, que havia ali assim uma represazinha que trazia a água para a Azenha, que é onde o Guilhermo João Carlos Henriques diz que ficava a fonte, a nascente do Rolim, do Rolim, que ele chamava de “Ralim”. Portanto, ali também foi uma das nossas praias. E ainda mais lá em cima na, na, na chamada de Cruz do Bufo onde havia uma azenha também que moía trigo, ainda me lembro de ver aquela azenha a moer trigo, também ali havia uns fundões muito bons, pronto, para os quais nós gostávamos de salta. Havia assim uns penhascos muito bonitos que nos serviam de trampolim para nos atirarmos à água e, portanto, era essa outra das praias. Era a praia da Cruz do Bufo, não é?
Quando o Olho D’água não funcionava, não é? Por qualquer motivo, subíamos a montante e íamos para praia do… Pá, é uma geração que nasceu aqui em convívio com o rio e, portanto…
Filipe Rogeiro: O rio marcou as gerações todas. Claro, na minha já de uma forma mais…
José Lourenço: Mais leve, não é?
Filipe Rogeiro: Mais leve e mais negativa. O rio estava muito abandonado nessa altura, mas ainda assim o rio era um sítio cheio de… propício às experiências… desde animais, rãs, apanhar rãs, apanhar peixes… Por exemplo, neste túnel que está aqui que leva para... isto no fundo, atravessa a estrada para aquele lado…
José Lourenço: Isto atravessa a estrada, de onde vem a água para… pois…
Filipe Rogeiro: …fizemos isto porque, quer dizer, uma aventura! Passar um túnel destes…
José Lourenço: é de onde vem a água da Lapa dos Morcegos. Portanto, passa por debaixo da estrada e vem sair aqui.
Filipe Rogeiro: Como fizemos do Regueirão de São Benedito, está todo … debaixo do Lago do Espírito Santo, também fizemos esse… portanto, tudo o que eram buracos, animais, sítios onde ninguém nos visse, eram sítios de descoberta e tal…. E no centro da Vila era diferente porque havia uma visibilidade muito grande e toda a gente via alguém que descesse ao rio. Aqui, não, aqui podia-se andar á vontade.
José Lourenço: Hoje, felizmente, foram construídas cerca de 17 ETARS e o rio está despoluído. Se forem lá abaixo à beira do rio, veem que está cheio de peixe, porque todos anos pela primavera os barbos do Tejo sobem o rio para a desova. Encontram ali exemplares magníficos que demonstram plenamente que o rio está despoluído, assim como à noite o coaxar das rãs, portanto, é uma música que embala, não é?