Carmo Santos

… tens que transformar e dar vida de pintura…

Gosto muito de pintar no real porque … o sol é o nosso melhor amigo. Ao amanhecer, os batentes de sombra… o próprio escuro nas árvores tem um interesse fantástico. Não só na cor, na volumetria principalmente.

Aqui em Alenquer o nosso mestre foi o Álvaro Duarte de Almeida que tinha aqui residência e puxou uma série de putos para a pintura. Eu, o João Mário, o Gilberto Gírio…

Transcrição:

JC: Sempre estive ligado profissionalmente e na escola. Sempre, sempre, sempre, sempre ao desenho. Desenho e pintura.
O nosso mestre aqui foi o Álvaro Duarte de Almeida. Ele teve aqui residência e então puxou uma série de putos. Na altura, eu era o mais puto. O João Mário também foi aqui discípulo dele. E havia um outro moço que não está cá presente de momento em Alenquer, está no Canadá. Que era um Gilberto Girío. Também era paisagista, vá.

Aliás, nós pintamos tudo. Porque a prática depois, através dos anos, nós vamos aprendendo uns com os outros. O vir aqui, o vir acolá. Ir a um museu, a uma exposição, etc., não é?
Um sítio onde eu me vou beber muitas vezes é às Caldas da Raínha. Ou melhor, para mim é um dos... um não, será mesmo o Malhoa, para mim, o principal obreiro da minha apetência para a pintura.

O sol é o nosso principal amigo. O sol quando está de nascente, geralmente... ou poente, depende do... do momento que se queira pintar, não é? Os batentes de sombra, as quedas de arvoredo, os próprios frutos nas árvores, tudo isso tem um interesse fantástico. Não só na cor. Na volumetria, principalmente. E é por isso que eu gosto muito de estar no real. A fotografia tira-se aquele momento e isto passado duas horas é que é bom e já se foi embora.

Eu tenho um conselho de um mestre que me dizia: "Quando fores tirar umas fotografias, leva a pior máquina que tiveres. Mesmo que fique desfocado, fica ótimo. Porque depois tu tens que transformar e dar a vida de pintura à própria fotografia."

A paisagem, para mim, tanto faz a urbana, com o casario. Principalmente, os brancos. Aqui na Vila Alta de Alenquer é tudo branco. Não é permitido pintar de outra cor. Ou com riscas brancas... ou com riscas amarelas ou com riscas azuis. Mas sempre de base branca. Lá em baixo na Vila já é autorizado, tanto que os prédios são diferentes. Aqui só há restauros. Não há prédios novos. Pode haver novos dentro da traça usual.

Gosto muito da paisagem, também, florestal. Os verdes dos campos. Agora na primavera, por exemplo, eu tenho aguarelas, principalmente do Alentejo. Aqueles campos roxos dos... dos lírios do campo - como é que eles se chamam - parece que é... o alecrim... a papoila, que há de aparecer daqui uns meses.

Nós somos pintores de rua, na maioria. Somos todos impressionistas, quase na maioria, impressionistas.
Esta consideram - e a outra que lhes vou mostrar- um bocado realistas. Porque... eu gosto mais de fazer um impressionismo, presentemente, a óleo. Como estou com uma dificuldade em fazer o perfeito que fazia, com estas artrites que já têm. Sinto-me quase incapaz de fazer um traço direito.
Na pintura a óleo facilita, de fato, a pincelada. Mas, sai uma pincelada mais "a vonté". Mais à vontade, mais aberta... muito mais impressionista. Talvez não conseguisse fazer esta aguarela hoje.
Tenho dificuldade.
Tenho dificuldade.
A minha aguarela, presentemente, é muito mais espontânea... e mais borrada, mais borrão, aguada... Aliás, como mais se use, esta aguarela já está um bocadinho "démodé". Já é "démodé". A aguarela hoje já é muito mais aberta. E temos bons aguarelistas, felizmente.

JB: Qual é a sua técnica preferida?

JC: Presentemente, pastel seco. Já tenho feito alguns retratos a óleo. Enfim... Considero-os média, bem feitos. E também a paisagem a óleo. Eu também pinto de espátula, mas pouco.

Ora, isto é o tal Arco dos Pinéus, do lado das costas. Quem desce. Do outro lado, nós vemos a subir.
O original deste é uma aguarela da minha mulher. Que eu não sei onde é que está, neste momento. Neste momento, não sei. Eu tenho aqui um quadro dela que eu gosto muito. Ambos. Mas principalmente aquela... aquela porta. Ela pinta a espátula.

Este é o Castelo de Alenquer, com muralhas. Onde começaa a Porta da Conceição.

Aqui são outros do meu avô. O meu avô pintava também com aguarelas. Isto em 37, utilizava aguarelas feitas de sumo de flores. Não havia dinheiro. Portanto, ele esmagava as flores que tinha no quintal para fazer tintas porque a aguarela, está quieto. Isto em 37, na guerra de Espanha, não havia nada cá à venda, não é?

E todos estes quadros tém uma certa história.

Em Alenquer, começámos por paisagem. Andávamos de cavalete às costas.
Mais um canto que pintei.
Eu fiz aquilo talvez em 94. Outro pormenor...
Vamos para o Terreirinho.
JB: Vamos para o terreirinho?

JC: E tem aqui um azulejo pintado pela Carla Amarelo. Também é uma pintora de cá, mas é de azulejo. Em 2001.
Está ali. Está sim, senhor.
O meu ângulo é mais aqui... Ora, cá está o ângulo. 95. 94, parece-me que é outro.
É pena não estar lá o gato que tem aqui. O gato à porta.
Aqui, por aqui acima, também há uns recantos giros e tal, até chegar à igreja.

Uma aguarela não deve demorar mais que três horas. Porquê? Porque senão, sai fotografia. Continuando, sai fotografia. Fotografia é fotografia. A aguarela é aguarela. Ou, pintura é pintura.
Hoje em dia, uma aguarela até pode demorar 20 minutos. Ou um quarto de hora. Aconselho, para quem pinta aguarela, mais de três horas é saturar o assunto. Fica muito saturado. É como o café com muito açucar. Fica muito doce. A aguarela é o mesmo género. Fica massacrada. Estragamos o papel.
O treinar a mão veio da... prática, através dos anos. A mão foi educada. Sempre, foi sempre a mão direita educada. Hoje, faço alguns trabalhos à esquerda.
Uma das coisas que eu gosto muito é passear. Gosto muito de sair do alcatrão. Não levo máquina fotográfica. Levo as minhas aguarelas de bolso. Tem as tintas, tem os pincéis e tem a água. E levo o meu bloco de apontamento. Não faço fotografia. Faço um levantamento de rascunho, vá lá. O meu rascunho da aguarela para depois passar, ou à aguarela definitiva, ou para óleo.

Eu assinava os meus trabalhos com o nome "Guerra", que era uma questão de fazer perdurar o nome do meu avô. Ora, Jacinto Ferreira Guerra. Assinava Guerra.

Olha, lá está o gato. Veio recordar. Está a ver? Não é o mesmo, que o outro era preto. Mas era nessa, na porta de baixo.

- Qual é o seu sítio preferido em Alenquer?

- Ah, a casa onde eu nasci. Junto da muralha.

Eu pinto desde os quatro anos. Aliás, segundo a minha mãe, desenho. A minha mãe diz que eu comecei a desenhar, dizia, eu não me lembro. Lembro-me de uma coisa que fiz, uma paisagem.
Quando haviam os dois moínhos... Ainda se vê aqui, deste lado direito, uma ruína. E era um zum-zum... das cabaças que giravam todo o dia.

E despois fiz uma exposição em que vendi os meus desenhos a cinco escudos e vinte e cinco tostões. Eu sei que vinte e cinco tostões, comprava uma data de amendoins, pevides, tremoços. Alfarrobas.

Pouco mais tenho a dizer. Estou à espera de encontrar mais recantos, para pintar os cantos.
É assim.