Ainda que disfarçado, consegue-se perceber o corpo avançado sobre a rua,
que mais não é que uma reminiscência das já faladas “balcoadas” que terão sido
uma regra da Lisboa daquela época. Enveredemos por este beco, estreito, escuro,
silencioso. O pitoresco do cenário não é imaculado. A sensação de insalubridade
e de pobreza é real e por mais que nos sintamos atraídos por este beco
misterioso, não conseguimos deixar de pensar nas muitas famílias que terão
habitado estas paredes, paredes meias com outras onde tudo se sabe e tudo se
ouve. Divisões exíguas, escadas empinadas e soalhos de madeira gastos e sujos
de vida. São locais onde as vidas das cidades se fazem. Logo no início do beco
uma placa de letras pretas nos sublinha essas outras vidas, difíceis, também
elas escuras. Mas determinadas em sobreviver. Sítios como estes são propícios
ao segredo, “Foi nesta casa em 11 de outubro de 1879 que um grupo de
manipuladores de tabaco orientados por Custódio Braz Pacheco, espírito luminoso
do operariado portuguez fundou o jornal A Voz do Operário. Em comemoração dêste
significativo acontecimento e para honra de toda a classe trabalhadora se
inaugurou esta lápide por iniciativa dos corpos gerentes da sociedade de
instrução e beneficência. A Voz do Operário em 8 de março de 1931”. Aquele
Custódio Braz Pacheco teve direito a uma rua com o seu próprio nome: a “Rua
Pacheco” no Areeiro, junto à Praça de Londres. Foi um operário da indústria
tabaqueira lisboeta que esteve também no embrião da Sociedade Voz do Operário,
que ainda hoje existe, o mesmo que havia fundado em 1863 a União Fraternal dos
Operários da Fabricação dos Tabacos, tendo sido seu dirigente. Continuemos este
périplo e, antes de chegar ao largo que se abre à nossa frente, viremos à
direita pelo beco da Lage.