Pátio de D. Fradique

... já teve uma imensa vida, repleto de vizinhos que se conheciam bem.....

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Que um tal Fradique lhe deu nome é certo, mas que não se saiba qual deles foi é um pouco desolador. Afinal, muitos Fradiques houve ao longo da história da cidade, embora pareça que um deles, que viveu no séc. XVII, tenha vendido a um seu vizinho uns terrenos que tinha junto ao pátio de cima. O certo é que, por alguma razão, todos aqueles terrenos que encostam à cerca do castelo ficaram na posse de um só e passaram a ser designados por Fradique.

Certo também é que o pátio a que o portal por onde acedemos dá serventia, se tornou público e ficou com o nome de Pátio D. Fradique de Cima, não se fosse confundir com o pátio do mesmo nome, mas que lhe fica mais abaixo. Antes de chegarmos ao pátio de Baixo, passamos por um estreito corredor inferior ao palácio que se prolonga por cima da nossa cabeça. A meio do caminho encontramos pedras trabalhadas que foram recolocadas no chão e, num arco, vemos o local onde já esteve a imagem de uma outra santa, a da Nossa Senhora do Livramento. Hoje apenas existe um nicho na parte superior do arco, mas até há pouco tempo, imagine um oratório / capela no local, ao qual se acedia por duas escadas de madeira colocadas em ambos os lados deste corredor estreito e que ali se manteve até aos inícios do séc. XX. Desçamos este passadiço e entremos no Pátio Dom Fradique de Baixo. Hoje o local é quase um pardieiro, mas já teve uma imensa vida, repleto de vizinhos que se conheciam bem. Aqui se instalou uma ilha, uma vila operária quando, nas primeiras décadas do séc. XX a cidade de Lisboa recebeu, timidamente, algumas indústrias. Pequeninas casas que se distribuíam por andares apertados acomodavam uma mão de obra pouco qualificada. Ao domingo todos se encontravam no terreiro, que depois sofreu calcetamento em pedrinhas. Era aqui que as mulheres punham a roupa a corar ao sol ou a penduravam em longos estendais que secavam ao vento. A pequenada corria por entre as casas e esgueirava-se pelo passadiço acima e saía pelo portal do Palácio de Belmonte. Quando por aqui passamos tornamo-nos passeantes infiltrados, pois mais parece que avançamos sobre propriedade de alguém, tão intimista que é o espaço.

Algumas destas casas são antigas, pois que aqui foram encontrados dos mais antigos vestígios de construção em taipa registados em Lisboa. Casas feitas com terra, palha e cinzas que traíam a herança islâmica da cidade. Saímos por novo portal que emoldura a saída do pátio, mas não sem que detenhamos os olhos no belo portal do séc. XVI / XVII, com os dois frades que impedem a entrada de carros no local e, antes deles, também os carros de mulas ou os coches que por aqui passavam. Enveredemos pela Rua dos Cegos e viremos, de novo à esquerda, para a Calçada do Menino Deus. Antes de continuar o caminho detenha-se na pequenina casa da esquina. É uma sobrevivente do terramoto de 1755. Sobreviveu, sabe-se lá como, e ali permanece. Uma construção em alvenaria pobre, com tabique nas paredes internas e fenestração singela e miúda. O piso de cima avança sobre a rua como se o espaço lhe pertencesse, hábito do séc. XVI, que fez com que o rei D. Manuel mandasse demolir as que avançassem em demasia sobre os caminhos públicos. Estas “balcoadas”, como então se chamavam, chegaram a ser tão acentuadas que tinham de ter pilares a suportá-las inferiormente e, desse modo, impediam a passagem de seges e coches — até os passeantes de burro e de cavalo tinham de baixar a cabeça para não chocar com tais obstáculos.