Certo também é que o pátio a que o portal por onde acedemos dá serventia,
se tornou público e ficou com o nome de Pátio D. Fradique de Cima, não se fosse
confundir com o pátio do mesmo nome, mas que lhe fica mais abaixo. Antes de
chegarmos ao pátio de Baixo, passamos por um estreito corredor inferior ao
palácio que se prolonga por cima da nossa cabeça. A meio do caminho encontramos
pedras trabalhadas que foram recolocadas no chão e, num arco, vemos o local
onde já esteve a imagem de uma outra santa, a da Nossa Senhora do Livramento.
Hoje apenas existe um nicho na parte superior do arco, mas até há pouco tempo,
imagine um oratório / capela no local, ao qual se acedia por duas escadas de
madeira colocadas em ambos os lados deste corredor estreito e que ali se
manteve até aos inícios do séc. XX. Desçamos este passadiço e entremos no Pátio
Dom Fradique de Baixo. Hoje o local é quase um pardieiro, mas já teve uma
imensa vida, repleto de vizinhos que se conheciam bem. Aqui se instalou uma
ilha, uma vila operária quando, nas primeiras décadas do séc. XX a cidade de
Lisboa recebeu, timidamente, algumas indústrias. Pequeninas casas que se
distribuíam por andares apertados acomodavam uma mão de obra pouco qualificada.
Ao domingo todos se encontravam no terreiro, que depois sofreu calcetamento em
pedrinhas. Era aqui que as mulheres punham a roupa a corar ao sol ou a
penduravam em longos estendais que secavam ao vento. A pequenada corria por
entre as casas e esgueirava-se pelo passadiço acima e saía pelo portal do
Palácio de Belmonte. Quando por aqui passamos tornamo-nos passeantes infiltrados,
pois mais parece que avançamos sobre propriedade de alguém, tão intimista que é
o espaço.
Algumas destas casas são antigas, pois que aqui foram encontrados dos mais antigos vestígios de construção em taipa registados em Lisboa. Casas feitas com terra, palha e cinzas que traíam a herança islâmica da cidade. Saímos por novo portal que emoldura a saída do pátio, mas não sem que detenhamos os olhos no belo portal do séc. XVI / XVII, com os dois frades que impedem a entrada de carros no local e, antes deles, também os carros de mulas ou os coches que por aqui passavam. Enveredemos pela Rua dos Cegos e viremos, de novo à esquerda, para a Calçada do Menino Deus. Antes de continuar o caminho detenha-se na pequenina casa da esquina. É uma sobrevivente do terramoto de 1755. Sobreviveu, sabe-se lá como, e ali permanece. Uma construção em alvenaria pobre, com tabique nas paredes internas e fenestração singela e miúda. O piso de cima avança sobre a rua como se o espaço lhe pertencesse, hábito do séc. XVI, que fez com que o rei D. Manuel mandasse demolir as que avançassem em demasia sobre os caminhos públicos. Estas “balcoadas”, como então se chamavam, chegaram a ser tão acentuadas que tinham de ter pilares a suportá-las inferiormente e, desse modo, impediam a passagem de seges e coches — até os passeantes de burro e de cavalo tinham de baixar a cabeça para não chocar com tais obstáculos.