Musa, Travessa do Funil

Bocage (…) é personagem de Lisboa, das mais agarradas às nossas ruas e casas, à nossa gente e modos, aos nossos gostos e graças. 

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A mais antiga informação biográfica do poeta liga-se a Lisboa, a uma das feições pitorescas e emotivas da cidade de setecentos. Foi o caso que tendo vindo aqui, segundo se diz, pelos seus oito anos, revelou ao voltar a casa a impressão que mais viva lhe ficara do passeio; fê-lo — tão menino — já na faceta trocista, atributo do seu carácter:

Fui ver a procissão de S. Francisco,
A que o vulgo chama da cidade.
E, suposto o apertão, foi raridade,
Que, indo em carne, não viesse em cisco.

(…) chamemos para Lisboa o título da primeira musa de Elmano. Será Manuel Maria, será Elmano Sadino, será Bocage — nesta cidade que foi refúgio das suas esperanças, leito das suas dores e ansieda- des, túmulo dos seus ossos, trono da sua grandeza.

Magro,de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;


Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos por taça escura

De zelos infernais letal veneno;
 

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
Inimigo de hipócritas e frades;


Eis Bocage, em quem luz algum talento.
Saíram dele mesmo estas verdades,

Num dia em que se achou mijando ao vento.

PAULO CARATÃO SOROMENHO, BIOGRAFIA LISBOETA DE BOCAGE, OLISIPO Nº 112 (1965)
MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE, AUTO-RETRATO (CIRCA 1800)
DE TORRENTE (MISSA DIXIT DOMINUS)
Composição: Carlos Seixas, 1704-1742 | Intérprete: Coro de Câmara de Lisboa, Norwegian Baroque Or- chestra (Direcção/órgão Ketil Haugsand) Tenor: Luís Madureira