Corria o ano de 1749 quando o João Almada, ou poderíamos dizer, o
Visconde de Vila Nova de Souto, pois era esse o seu título nobiliárquico, toma
a decisão de avançar com a construção de um edifício moderno, arrojado, num
terreno de que era proprietário situado junto à Igreja da Madalena que há pouco
deixámos. Obra grande que se estranhava pela grande caverna que se abria no
chão para o alicerçar nas profundezas. Não se via coisa assim naquele tempo,
pois que as casas não necessitavam de buracos tão fundos para se elevarem nos
céus. Mas foi nessa escavação que se fez uma descoberta que ninguém esperava e
que na altura fez acorrer ao local um sem número de curiosos, além das pessoas
que passavam ou dos vizinhos que assistiam aos trabalhos. Imagine-se pois o
espanto que não foi ao surgirem pedras antigas com letras. Um trabalho
minucioso onde se lia, na perfeição, o que há muito, muito tempo alguém quis
deixar à posteridade. Uma dessas pedras falava da grande mãe dos deuses, uma
tal Tické a que também chamavam Cybele, a deusa da terra a que a tudo
deu vida, a deusa mãe! Uma outra pedra falava de um deus chamado Mercúrio, o
deus mensageiro. Mas outra pedra, a maior de todas, tinha tantas coisas
escritas que todos ficaram admirados. Falava de um questor, que então alguém
disse que em tempos romanos seria uma espécie de magistrado, um procurador.
Tudo isto de tempos de antanho, está bem de se ver, pois quando se fazia aquele
prédio não havia questores, nem se ouvia falar de outras coisas que também
estavam gravadas naquela pedra, como as três palavras de Felicitas Iulia
Olisipo. Parece que era este o antigo nome da cidade de Lisboa, o nome que lhe
prantaram quando aquela terra, junto ao rio Tejo, foi declarada cidade.
Perguntará o ouvinte sobre a razão de nos determos nestas pedras velhas e bafientas. Velhas sim, mas bafientas não, pois se olhar para o lado esquerdo de quem sobe a Travessa do Almada verá naquela parede mandada fazer pelo Visconde de Vila Nova de Souto, as pedras de que lhe falei. Aí estão, pequeno testemunho de um longo passado, de uma outra vida desta cidade. Foram colocadas neste local, por expressa ordem do visconde, cumprindo uma prática de salvaguarda de antiguidades, então habitual no centro da Europa. Hoje, as letras estão quase sumidas. Hoje já ninguém se detém a olhar para elas. Mas se pararmos e olharmos para elas, conseguimos imaginar as tantas vidas que encerram. Talhadas, esculpidas e gravadas nos inícios o séc. II d.C., cumpriram o desejo dos homens que, orgulhosamente, as quiseram fazer para marcar um momento importante que vivenciaram. Provam, de igual modo, o impacto que suscitaram em outros homens quando, passados tantos séculos, as redescobriram de novo. Conseguimos imaginar os olhos de espanto que as olharam pela primeira vez quando surgiram no meio da terra, e do buraco, e dos entulhos. Pensamos nos muitos olhos que se terão detido naquelas palavras em latim, tal como nós hoje o fazemos.