Calçada do Menino Deus

... aproveitemos o tempo e olhemos para o chão e para a escadaria do seu lado sul. No último degrau um tabuleiro gravado na pedra.....

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Esta pequenina calçada, ainda forrada a pedras de seixo rolado, em basalto, conduz-nos à magnífica igreja com a mesma designação edificada em 1711. Podemos entrar se a porta estiver aberta, e deslumbrarmo-nos com a magnífica abóbada que abarca a quase totalidade do seu interior transformando-a, assim, naquilo que os compêndios de história de arte definem como “igreja-salão”. Se a porta estiver encerrada, o que ocorre amiúde, aproveitemos o tempo e olhemos para o chão e para a escadaria do seu lado sul.

No último degrau um tabuleiro gravado na pedra impele-nos a lançar a sorte. Há vários tabuleiros de jogo gravados nos degraus das escadas. Um deles não terminado, e os restantes diferentes entre si. E pergunta-se o ouvinte, qual a razão de estarem gravados nos degraus precisamente tabuleiros de jogo? Resposta bem simples esta, pois os jogos foram, ao longo de todos os tempos e transversalmente em todas as culturas, a forma mais óbvia, interessante e fácil de passar o tempo. Jogadas pensadas, estratégias delineadas, pensamento matemático, até, ou, simplesmente, jogos de sorte e azar. Desconhecemos quando tais exemplares foram cinzelados na pedra. Em data posterior a 1711, isso é certo, pois antes disso não havia igreja. Conseguimos imaginar mulheres desfilando em direção à entrada, a cabeça tapada com lenço ou mantilha curta de renda preta e os rapazolas, maiores ou mais pequenos, a lançar as peças nos tabuleiros improvisados nos degraus. Tantas e tantas partidas aqui se jogaram, risos encobertos para se não ouvirem no meio das rezas das mulheres. Arranjem-se peças de jogo improvisadas, 12 para cada jogador, permitindo o tabuleiro em questão apenas dois, e inicie-se a partida colocando as peças nos cruzamentos das linhas do tabuleiro. As peças seguem os traços e são livres, como no jogo das damas, para andar de um lado para o outro e “comer” as peças do adversário. A este jogo dá-se a designação de alquerque, nome árabe que ficou imortalizado no Livro que um Rei, de cognome O Sábio, escreveu em 1283 — era ele Afonso X e vivia em Castela, hoje em solo espanhol, e foi o avô materno do Rei D. Dinis de Portugal.