Cibele e Cláudia Quinta

No cimo do Monte a encontraram, à pedra negra sagrada, Cibele...

Ouvir Podcast
voltar a procurar

Cláudia, forçado o povo a crê-la pura, pois Cibele a protege!, a ufana Claudia!, guia o cortejo, sorrindo.

A mensagem era clara:
“A Mãe está ausente de onde deseja estar.
Eu vos ordeno: procurem a Mãe.
E, achando-a, mãos puras
devem transportá-la ao seu novo lar.”  

No cimo do Monte a encontraram,
à pedra negra sagrada, Cibele.
Inúmeros machados derrubaram pinheiros,
mil mãos trabalharam — cedo a Mãe dos Deuses
tinha já navio oco, pintado em cores vivas.  

Veio balouçando em perfeita segurança
sobre as ondas de seu próprio filho.

Contornando enfim africanas águas, chegou

Plebe, senadores, cavaleiros,
tudo conflui alvoroçado à praia.
Com eles caminham mães, filhas e noivas,
e todas aquelas virgens que cuidam dos fogos sagrados.  

Cláudia Quinta, tão bela quanto ilustre, era uma dessas
que a púdica inocência em vão defende contra calúnia atroz.

Na sua pureza, quem acreditava?
Era a elegância, o luxo no trajar,
o esmero extremo das tranças
mas, sobretudo, a língua solta,
que entre os graves anciãos a condenavam.

Cláudia, que na linha da frente
das mulheres virtuosas se achava, rompeu da turba.
Chegou ao rio, encheu de água as palmas côncavas.
Sobre a cabeça a derramou por três vezes;
por três vezes as mãos aos céus levantou.
“É louca”, pensaram. “Endoideceu.”  

Consciente da minha pureza,
de olhos fitos na estátua da Mãe,
desfiz a trança, cabelo ao vento,
e proferi as seguintes palavras:  

“Bondosa e fecunda Mãe dos Deuses,
omnipotente e criadora Cibele, aceita as orações
de uma suplicante, com esta única condição.
Sou inocente; negam-no. Decide tu.
Se me fores contrária, aceito a morte.
Mas se eu estiver livre de culpa,
que um teu prodígio o comprove e me salve.
Ó tu, que és pura deusa, de puras mãos levar-te deixa.

” Um leve puxão na corda.
Boia a nau, fende o rio, a deusa avança!
E, caminhando na minha direcção,
eis que me protege, me glorifica!

Sobe uníssono aos céus clamor fervente. 
Cláudia, forçado o povo a crê-la pura,
pois Cibele a protege!, a ufana Claudia!
Guia o cortejo, sorrindo.

OVÍDIO, FASTOS, SÉC. VIII D.C.VERSÃO LIVRE A PARTIR DA TRADUÇÃO DE ANTÓNIO FELICIANO CASTILHO

Deitado sobre a terra, em cruz, levanto o rosto
Ao céu e às tuas mãos ferozes e esmoleres.
Mata-me! Abençoarei teu coração, composto,
Ó mãe, dos corações de todas as mulheres!

 

T
u, que me dás amor e dor, gosto e desgosto,
Glória e vergonha, tu, que me afagas e feres,
Aniquila-me! E doura e embala o meu sol posto,
Fonte! berço! mistério! Ísis! Pandora! Ceres!

 
Que eu morra assim feliz, tudo de ti querendo:
Mal e bem, desespero e ideal, veneno e pomo,
Pecados e perdões, beijos puros e impuros!
 

E os astros sobre mim caiam de ti, chovendo,
Como os teus crimes, como as tuas bênçãos,
Como a doçura e o travor de teus cachos maduros!

OLAVOBILAC, ORAÇÃO A CIBELE, “TARDE” (1919) Música de Marco Oliveira