Camélias e violetas, rua do Correio Velho

.Nessa noite de Entrudo, a Condessa, que fazia as honras da casa, ostentava um delicioso vestido de renda a deux volants por cima de outro, de cetim cereja, e um penteado ornado de penas e brilhantes preciosos....

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(…) O Entrudo começava no Domingo Magro. Os primeiros bailes de máscaras começavam no dia da Senhora da Conceição, em Dezembro. A população de Lisboa parecia endoidecer nessa quadra. As cegadas e as troupes musicais punham em alvoroço a nossa pacata cidade. Os mascarados que mais abundavam eram as velhas de capote e lenço e os chechés, uns pândegos de cabeleira de estopa, grande facalhão de madeira, rabicho e uns exagerados óculos de lata. (…)

(…) Calção e meia, a pedirem cinco reizinhos e fingindo espetar as pessoas que não contribuíam com o óbolo pedido. Havia ruas quase intransitáveis. De resto, os editais proibindo os folguedos carnavalescos já vêm de longe. Em 1817, o intendente-geral da Polícia proibia-os, mas, assim mesmo, quarenta pessoas foram presas nos três dias, por abuso de autoridade. (…)
Dos bailes particulares, alguns deixaram fama, em especial os realizados pelos Condes de Penafiel no seu luxuoso palácio da Rua de S. Mamede ao Caldas. No baile efectuado no Carnaval de 1865 estiveram mil e quinhentas pessoas. A sala principal era forrada de seda branca e os reposteiros, de seda azul. A sala da ceia estava forrada de cassa branca em cortinados, suspensos por cordões escarlates presos por coroas de camélias. 2.560 dessas lindas flores sem cheiro. Para a ornamentação total, vieram do Porto 16.000 camélias que importaram em 600.000 réis! Calcule-se, portanto, a magnificência desta festa, abrilhantada por duas esplêndidas orquestras.
Já que estamos a relembrar de entrudos aristocráticos, temos de falar duma célebre festa efectuado pelo perdulário (…) (…) dançou-se animadamente até ao nascer. Nessa noite de Entrudo, a Condessa, que fazia as honras da casa, ostentava um delicioso vestido de renda a deux volants por cima de outro, de cetim cereja, e um penteado ornado de penas e brilhantes preciosos. O Conde mandou, em sinal de regozijo pela presença da Rainha, distribuir dois contos pelos pobres, quantia fabulosa para a época.

Éramos três quando passou por nós
com o cesto das violetas.

Disse a primeira: como vai cansada,
e descalça, coitada!

Disse a segunda: tão suja e desgrenhada,
olhem os pés sem cor, as unhas pretas!

Eu, a terceira... eu não disse nada.
... Que lindas as violetas!

LOURENÇO RODRIGUES, BOÉMIA DE OUTROS TEMPOS, ALMANAQUE MAIO (1960)

AMOR CONCEDEU-ME UM PRÉMIO (MODINHA SÉC. XVIII) António da Silva Leite (1759-1833) | Intéprete: Músicos do Tejo | CD Sementes do Fado (2008)
FERNANDA DE CASTRO, RAPARIGA DAS VIOLETAS, “EXÍLIO” (1952) Música: Manuel Lima Brummon | Intérprete: Teresa Tarouca, Portugal Triste (1980)